Um informe pormenorizado ou uma denúncia anônima especificada sobre a prática de infração penal pode servir de fundamento para a busca veicular quando o veículo com as características indicadas pelo informante/noticiante for localizado?
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Resposta rápida
Sim, conforme decidido no julgamento do AgRg no REsp 2096453/MG, STJ, DJEN 25/02/2025[1], e no AgRg no RHC n. 183.317/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 20/9/2023[2].
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Resposta detalhada
A ementa do acórdão do AgRg no REsp 2096453/MG
é a seguinte:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. BUSCA VEICULAR. LEGALIDADE.
PRÉVIAS INFORMAÇÕES DETALHADAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "Não satisfazem a exigência
legal [para se realizar a busca pessoal e/ou veicular], por si sós, meras
informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e
impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e
concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a
ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a
classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou
de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard
probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP"
(RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma,
julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022).
2. No caso em tela, a abordagem foi
realizada em razão de informe prévio com descrição pormenorizada do
veículo que estaria transportando drogas, com detalhamento de placa e
características do caminhão, o que motivou a busca veicular e o encontro de
mais de 62kg (sessenta e dois quilogramas) de pasta-base de cocaína, fundamentos
adequados e suficientes para autorizar a diligência.
3. No mesmo sentido o parecer do
representante do Ministério Público Federal, para quem "houve, sim,
fundada suspeita apta a ensejar a realização de busca pessoal e veicular,
consistente em denúncia baseada em elementos concretos, precisos e objetivos
(modelo, marca e placa do veículo), a fim de fazer cessar a ocorrência de crime
de natureza permanente, qual seja o tráfico de entorpecentes, não sendo o caso
de ilegalidade".
4. Agravo regimental desprovido,
acolhido o parecer ministerial.
(AgRg no REsp n. 2.096.453/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025)[3].
Antes já escrevemos aqui neste espaço sobre a
dificuldade, na prática, de definir quanto a presença de justa causa para
embasar a busca pessoal, considerando as constantes divergências jurisprudenciais
e as inúmeras situações concretas possíveis de ocorrência na rotina policial[4].
Independentemente disso, o julgado ora
comentado traz um significativo avanço no sentido de viabilizar a efetividade
do trabalho policial.
O informe ao qual se refere o STJ foi o
seguinte[5], segundo consta no voto do
Relator, em transcrição de parte da decisão recorrida:
No caso dos autos, conforme restou
comprovado, os policiais militares após receberem informações da PRF de
que um caminhão estaria se deslocando de Goiás com destino à Patos de Minas,
possivelmente transportando entorpecentes, realizaram a abordagem do
veículo. Consta ainda no REDS, que a PRF informou características e a placa do
referido caminhão, tendo sido o cerco realizado de forma específica e não
aleatória, como faz crer a Defesa. Tal alegação foi confirmada em juízo. (Grifei)
Destacou
o Relator, ainda, já ter o STJ, em outras ocasiões, julgado de forma similar,
como ocorrido no AgRg no HC n. 842.561/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas,
Quinta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023.
No AgRg no HC n. 842.561/SP, a situação concreta
correspondente foi a seguinte[6]:
Conforme consta dos depoimentos
prestados pelos policiais responsáveis pela prisão em flagrante do paciente, em
sede policial, “sua equipe obteve informações sobre um possível
transporte de drogas ilícitas, as quais seriam trazidas pelo condutor de
um veículo GM/CORSA de placas BRG-3833. Assim, a equipe diligenciou visando
localizar tal veículo, o que efetivamente ocorreu na rodovia SP 250, na cidade
de São Miguel Arcanjo. Dada ordem de parada esta foi atendida e o motorista
identificado como JOSE MARCOS QUEDAS. Ao ser questionado se havia algo ilícito
no veículo o Sr. JOSE MARCOS QUEDAS confessou o transporte de drogas, afirmando
que elas estariam escondidas atrás do acabamento das portas” (fls. 02 e 03). Verifica-se
terem os policiais agido nos estritos termos da lei durante a realização da
abordagem e da busca pessoal, pois presentes indícios substanciosos de estar o
réu praticando o crime de tráfico de drogas. (Grifei)
Explicou o Relator desse acórdão ser suficiente
para ensejar a busca pessoal/veicular a confirmação pelos policiais de dados
objetivos informados na notícia anônima recebida, defendendo também haver a
necessidade de assegurar, em tais casos, a autonomia dos agentes de segurança
para realizar suas atividades:
Assim, verifica-se que a denúncia foi minimamente
confirmada, uma vez que os agentes de segurança visualizaram o veículo com
as características descritas na delação, o que evidencia a fundada suspeita
apta a justificar a abordagem policial em via pública.
A fundada suspeita é uma noção legal que
se baseia na avaliação das circunstâncias específicas de cada caso para
determinar se há motivos razoáveis para suspeitar que uma pessoa esteja
envolvida em atividades criminosas.
Nesses casos, não se exige certeza
absoluta, mas sim uma base objetiva que justifique a conjectura do agente de
segurança, ao qual deve ser assegurada a autonomia necessária para
exercer suas atividades de fiscalização, a fim de garantir efetivamente o
combate ao tráfico de substâncias ilícitas e exercer sua função constitucional
de polícia ostensiva.
É bem verdade que a fundada suspeita não
pode ser baseada em estereótipos, discriminação ou preconceitos, devendo ser
fundamentada em fatos e circunstâncias objetivas, o que, no caso, foi atendido,
uma vez que as características do veículo abordado eram idênticas às
mencionadas na denúncia anônima recebida pelas autoridades.
A fim de assegurar a proteção dos bens
jurídicos envolvidos e coibir efetivamente o transporte ilegal de substâncias
entorpecentes, é necessário permitir que a autoridade policial realize
fiscalizações em veículos com características semelhantes às apontadas na
denúncia anônima, evitando assim a impunidade e garantindo a segurança pública.
Logo, mostra-se lícita a busca pessoal e veicular efetivada. (Grifei)
Outro julgado citado pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro, no AgRg no REsp 2096453/MG, foi o AgRg no RHC n. 183.317/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 20/9/2023. Neste se fala em “denúncias anônimas especificadas” a fundamentar a busca veicular. O caso concreto nessa situação foi o seguinte[7], conforme transcrito do julgado de origem pelo Relator:
[...] a Polícia Militar já tinha
informações acerca da prática de narcotraficância por parte de indivíduo(s)
que utilizava(m) um veículo C4 Pallas, final da placa '0630', tendo os agentes
estatais, ao avistar o referido automóvel decidiram abordar os referidos
indivíduos e realizaram a busca veicular e pessoal, momento em que lograram
êxito ao encontrarem entorpecente.
Sobre as informações angariadas pela
Polícia Militar, é cediço que diversos usuários de entorpecentes acabam
conversando com os agentes estatais em abordagens de rotina e/ou em rondas
feitas pelas guarnições, mas optam por não se identificarem por receio
de eventuais represálias por parte dos traficantes.
Assim, eventual obrigatoriedade de identificação e registro dos denunciantes acabaria tendo um reflexo negativo na colheita de informações acerca da narcotraficância, porquanto muitos deles optariam por não serem mais 'informantes' justamente pelo receio levantado supra. (Grifei)
Diante da situação em evidência, o Ministro, ainda como Relator no RHC n. 183.317/SC, pontuou:
Conforme o exposto, verifica-se que a busca veicular decorreu de denúncias anônimas especificadas, que correspondem à verificação detalhada das características descritas do veículo do paciente. Desse modo, as informações anônimas foram minimamente confirmadas, sendo que a referida diligência traduziu em exercício regular da atividade investigativa promovida pela autoridade policial, o que justificou a abordagem após a confirmação das características relatadas nas denúncias apócrifas. (Grifei)
Ante ao exposto, nota-se estarem os julgados
consentâneos com a realidade da prática policial. A bem da verdade, como claramente
pontuado pelos eminentes julgadores, simples denúncia anônima não pode, segundo
entendimento firme do STJ, fundamentar a busca pessoal ou veicular.
Não é o caso, contudo, daquela notícia apócrifa
que indica detalhes da prática criminosa em curso, e uma vez diligenciando para
confirmá-la, os policiais se deparam com os elementos objetivos relatados (veículo
específico, no local indicado etc.), mesmo sem a visualização imediata de objetos/substâncias
ilícitos.
Nessa situação, como é razoável supor, torna-se
legítima a busca pessoal/veicular.
Imagine-se, por exemplo, policiais receberem a notícia
anônima do deslocamento de um veículo, no qual haveria uma bomba, para realizar
atentado em local de grande aglomeração pública também indicado pelo noticiante,
e uma vez localizando o automóvel seguindo em direção ao local especificado não
poderem sequer revistá-lo.
Não se pode, portanto, exigir uma checagem
prévia da notícia anônima para fins de fundamentar a busca pessoal/veicular tão
rigorosa como é a verificação, por exemplo, para instauração de Inquérito Policial.
Destarte, não raras vezes existe uma oportunidade única para a abordagem e a notícia
chega pouco tempo antes desse momento oportuno. Então, a decisão (quanto à realização
ou não da diligência) deve ser rápida assim como a checagem prévia.
Ademais, ninguém melhor do que o agente público
imerso no cenário fático específico para decidir, com certa autonomia (como bem
enfatizado em julgado antes referido), mas sem se desvincular de dados
objetivos, sobre a pertinência ou não da realização da busca.
Assim, considerando todos esses aspectos, entende-se de vital importância para a prática policial as diretrizes desenhadas nos julgamentos aqui analisados.
[1] Disponível
em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202303292375&dt_publicacao=25/02/2025;
acesso em 15/03/2025.
[2]
Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=ACOR&p=false&operador=e&livre=%28%28+%28183317%29.NUM%2CSUCE%2CREG.%29+e+%28+%28%40NUM%3D%27183317%27+ou+%28%40SUCE%3D%27183317%27+NAO+PROX+%28PG+OU+VOL%29%29%29%29%29+E+%40CDOC%3D%272343000%27;
acesso em 15/03/2025.
[3] Grifei.
[4] Disponível em: https://juspj.blogspot.com/2025/03/em-quais-situacoes-pode-ser-realizada.html; acesso em 15/03/2025.
[6] Conforme voto do Relator,
no qual refere trechos do julgado recorrido. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202302692844&dt_publicacao=16/10/2023;
acesso em 15/03/2025.
[7]Inteiro
teor da decisão proferida no RHC 183317-SC, DJe 28/07/2023, disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=DTXT&livre=%28%28+%28183317%29.NUM%2CSEQ%2CREG%2CTXT1.%29+e+%28+%40SEQ%3D%22183317%22%29%29+E+%2216839+200838313%22.COD.&thesaurus=&p=false&operador=e;
acesso em 15/03/2025.
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