Em qual horário é possível a polícia cumprir, independentemente de autorização do morador, mandado de busca e apreensão?
Publicação atualizada em 03/03/2025.
Legislação,
doutrina e jurisprudência
A análise da questão posta deve se iniciar com
a referência necessária ao art. 5º, XI, da CF[1], que prevê a possibilidade
de ingressos compulsórios em domicílios por força de ordem judicial, porém
somente durante o dia. Especificamente
quanto ao cumprimento de mandados de busca e apreensão domiciliares, o CPP
também caminha no mesmo sentido (ou seja, autorizando a entrada forçada somente
durante o dia)[2].
Diante disso, há a necessidade de definir qual
o conceito de dia para esse fim, destacando-se, nesse aspecto, as
seguintes posições doutrinárias (AVENA, 2023): a) período de 6 às 20 horas
(art. 212 do CPC, por interpretação analógica); b) 6 às 18 horas; c) 6 às 18
horas, desde que haja luminosidade solar; d) período em que haja luminosidade
solar, sem horário fixo previamente determinado; e e ) 5 às 21 horas (art. 22,
§ 1º, III, da Lei nº 13.869/2019).
Como se vê, os critérios são muito variados,
inclusive com posição relativamente recente decorrente de disposição contida na
nova Lei de Abuso de Autoridade.
Diante de tanta polêmica, é possível somente
afirmar que o cumprimento de mandado de busca e apreensão realizado no período
de 6 às 18 horas, e havendo luz solar no momento do cumprimento,
dificilmente será taxado de ilegal.
A nova posição sustentada com base na Lei de
Abuso de Autoridade foi rechaçada em decisão do STJ, quando a sua 6ª Turma, no
AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 168.319 - SP (2022/0227210-7), Relator
Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 05/12/2023[3], decidiu, por maioria,
ser ilegal o cumprimento de mandado de busca e apreensão iniciado às 5:30 h,
quando ainda não havia luz solar. Essa deliberação, inclusive,
contrariou o entendimento da Relatora inicial do caso, Ministra Laurita Vaz,
que defendeu ser possível a realização da diligência em questão no período de 5
às 21 horas, independentemente de haver luz solar, consoante previsão contida
na Lei nº 13.869/2019, nos seguintes termos:
Por todos esses fundamentos,
salvo superveniente declaração de inconstitucionalidade do art. 22, inciso III,
da Lei n. 13.869/2019, na via processual adequada, ou até que eventualmente o
referido dispositivo seja alterado pelo Legislador ordinário, são válidas as
diligências concretizadas a partir das 5h (cinco horas) e antes das 21h (vinte
e uma horas).
Alerta-se, portanto, ainda não haver
consolidação, nem mesmo no âmbito do STJ, quanto à não aceitação do critério
visualizado na Lei de Abuso de Autoridade para se fixar o conceito de dia.
Muito pelo contrário, há uma forte inclinação da doutrina no sentido de
aceitá-lo.
Dificuldades
operacionais
Considerando a grande extensão do território
brasileiro, impondo significativas variações no horário do nascer e pôr do sol em
diferentes localidades e, ainda, a necessidade de, não raras vezes, mandados de
busca e apreensão serem cumpridos, para efetividade da ação investigativa, de
forma simultânea em diversas cidades, é que o tema ora em análise se revela de
grande interesse para a atividade policial.
Na maioria das grandes operações policiais, por
exemplo, haverá significativo prejuízo para a investigação se os mandados não
forem cumpridos de forma simultânea, visto o grande risco daquele investigado
cujo mandado for cumprido mais tarde tomar conhecimento da apuração e agir no
sentido de prejudicar a coleta de provas pretendida com a medida.
Por outro lado, iniciar o cumprimento desses
mandados mais tarde para todos também implica na possibilidade de não encontrar
alguns dos investigados em suas residências, perdendo-se assim a oportunidade
de apreender equipamentos e/ou documentos que usualmente carreguem consigo
diariamente.
Desse modo, a insegurança jurídica instalada na
matéria demonstra muito bem a necessidade de avanço nas definições de
parâmetros de atuação policial que privilegiem o conhecimento prévio da forma
correta de proceder.
Para o executor do mandado, o critério focado
na luz do sol é o de pior referência, pois não apresenta um parâmetro objetivo
seguro para atuação, havendo variações de luminosidade por conta da localização
geográfica, período do ano e condições meteorológicas.
Observa-se, outrossim, que mesmo os conceitos
de nascer do sol e pôr do sol são complexos, e de maior complexidade ainda a
fixação exata dos horários nos quais ocorrem esses fenômenos naturais.
Constam em glossário do Instituto Nacional de
Meteorologia (INMET) as seguintes explicações sobre o nascer e pôr do sol,
respectivamente[4]:
Aparecimento diário do
Sol a leste do horizonte e que acontece devido ao movimento de rotação da
Terra. Nos Estados Unidos, é considerado como o momento em que a
extremidade superior do Sol aparece no horizonte no nível do mar. Na
Inglaterra, refere-se ao momento em que o centro do disco solar está à vista. O
cálculo do nascer do Sol é feito de acordo com o nível médio da água do mar.
Veja poente ou pôr-do-sol para uma comparação.
[...]
Desaparecimento diário
do Sol no oeste do horizonte devido ao movimento de rotação da Terra. Nos
Estados Unidos, é considerado como aquele momento em que a extremidade superior
do Sol desaparece no horizonte no nível do mar. Na Inglaterra, refere-se ao
momento em que o centro do disco do sol desaparece. O cálculo do poente, ou
pôr-do-sol é feito de acordo com o nível médio da água do mar. Veja nascer do
Sol para uma comparação. (Grifei)
No Brasil, prevalece também, no âmbito
astronômico, o entendimento de que o nascer do sol ocorre quando a sua borda
superior aparece no horizonte, e o pôr do sol quando essa extremidade superior
desaparece[5].
Ocorre, contudo, que mesmo antes da borda solar
superior ficar visível no horizonte, já é possível ver a sua luminosidade parcialmente,
e também, no pôr do sol, mesmo após o sol sumir no horizonte, ainda é possível
visualizar parte da claridade por ele provocada. Daí se falar em crepúsculo, o
qual subdivide-se em civil, náutico e astronômico, variando o horário da ocorrência
de cada um, em cada dia, de acordo com a posição do sol em relação ao horizonte[6].
Somente por aí já se vê, portanto, quão
complexo é fixar como parâmetro para cumprimento de mandados de busca e
apreensão critérios relacionados à observação da luz solar.
Por outro lado, pode-se argumentar que
atualmente já existem plataformas on-line que apresentam de forma automatizada
os horários do crepúsculo, nascer e pôr do sol em cada dia e localidade[7], podendo elas fornecerem parâmetros
seguros para os executores dos mandados. Essa segurança, contudo, é ilusória,
pois mesmo essas plataformas muitas vezes apresentam resultados divergentes
para o mesmo dia e local.
Ante todo o exposto, reitera-se entendermos ser
evidentemente inseguro o critério vinculado à luminosidade solar como definidor
do momento no qual é possível cumprir MBAs. Torna-se urgente, portanto, se avançar
para definir um critério objetivo no qual sejam estabelecidos os horários precisos
fixos, inicial e final, para execução dessas ordens judiciais.
Conclusão
Como já dito antes, e na medida do possível,
pelo menos enquanto a questão não for pacificada, convém estabelecer um horário
de cumprimento de mandados de busca e apreensão que seja de 6 às 18 horas,
com a condicionante adicional de haver luz solar, prevenindo assim
eventuais debates quanto à legalidade da diligência.
Quando isso não for possível, pode-se utilizar
o critério inovador (e já com robustas defesas na doutrina e jurisprudência)[8] da legalidade do
cumprimento de 5 às 21 horas (art. 22, § 1º, III, da Lei nº 13.869/2019), o
qual pensamos ser mais adequado e perfeitamente constitucional.
Quando houver, ademais, excepcionalidade a
exigir a execução da ordem judicial em período indiscutivelmente noturno, parte
da doutrina sustenta a possibilidade de autorização específica para esse fim[9] (AVENA, 2023)[10]:
Independentemente,
porém, da posição agasalhada, entendemos que, excepcionalmente, poderá ser
autorizado pelo juiz, sempre fundamentadamente, que se proceda a busca e
apreensão domiciliar no período alcançado pela tutela legal. Isto deverá
ocorrer nas hipóteses em que a execução da diligência durante o dia mostrar-se,
de plano, absolutamente despida de qualquer efetividade. É o caso, por exemplo,
de a providência ser destinada à localização de menores em casas de
prostituição clandestinas (aparentemente simples residências, mas onde se
realizam, na verdade, encontros para fins sexuais) e cujo funcionamento haja
notícia de que ocorre apenas à noite. Perceba-se esta orientação já norteou
decisões judiciais, a exemplo da deliberação, pelo STF, sobre o Inquérito
2.424/RJ (j. 20.11.2008), em que a Corte aceitou como válida busca e apreensão
realizada em período noturno, utilizando, como um dos fundamentos para tanto, o
fato de que a medida, no caso concreto, se realizada durante o dia, seria
ineficaz.
Outro
ponto relevante para a prática policial, diz respeito à possibilidade da
diligência, iniciada em período diurno, necessitar se estender por
período noturno. É o caso, por exemplo, de busca em escritório de empresa,
com grande quantidade de documentos e equipamentos de informática, iniciada,
por imposição de circunstâncias específicas, hipoteticamente às 18:00 h (em
local onde ainda há luz solar nesse horário), mas que necessite se estender por
algumas horas. Em tal caso, por consequência lógica, deve a diligência
prosseguir até a sua finalização.
Nesse
aspecto, em decisão (pelo não conhecimento) do HABEAS CORPUS Nº 919433 - SP
(2024/0202912-6), STJ, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe
21/06/2024[11],
tal assunto foi tangenciado ao citar-se a decisão recorrida, HC n.
2118695-39.2024.8.26.0000, do TJ/SP, na qual consta a seguinte ponderação:
Assim,
aplicando-se por analogia o artigo 212, caput, do Código de Processo
Civil, têm-se por regular o início do cumprimento da ordem até às 20h00min, vedada
a interrupção, quando, no caso de ultrapassar referido horário, prejudicar a
diligência (parágrafo primeiro do artigo 212 do Código de Processo Civil).
Temos,
ainda, a Lei de Abuso de Autoridade, a prever como crime o cumprimento de
mandado de busca e apreensão após às 21h00min e antes das 5h00min (artigo 22,
III, da Lei nº 13.869/19).
Portanto,
por quaisquer dos ângulos analisados, verifica-se, ao menos na via estreita
deste writ, a regularidade do ato processual, demandando de melhor
análise, a ser apurada na instrução criminal, eventual abuso dos agentes da
lei, caso adotada a tese com base no crepúsculo solar. (Grifei)
Ante
todo o exposto, apresenta-se a seguinte conclusão objetiva quanto à indagação
formulada no título deste escrito:
a) Considerando a inexistência de consolidação de
entendimento, torna-se prudente cumprir (independentemente do consentimento do
morador[12]), se assim for possível,
os mandados de busca e apreensão no período de 6 às 18 horas, observando-se
também se há luz solar no local do cumprimento; e
b) Não
sendo possível atender ao critério supra, cumprir no período de 5 às 21 horas.
Ressalva-se, outrossim, nosso entendimento no sentido de ser perfeitamente legal
a adoção desse critério em qualquer circunstância.
Referências bibliográficas
AVENA, Norberto. Processo penal, e-book. 15.
ed. Rio de Janeiro: Método, 2023.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal, e-book. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
[1] “[...] XI - a casa é asilo
inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; [...]”.
[2] “Art. 245. As buscas domiciliares serão
executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e,
antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao
morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta”.
[3] Fonte: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202202272107&dt_publicacao=15/12/2023; acesso em 16/02/2025.
[4]
Disponível em: https://portal.inmet.gov.br/glossario/glossario#N
e https://portal.inmet.gov.br/glossario/glossario#P;
acesso em 03/03/2025.
[5] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/11/20/mais!/35.html;
acesso em 03/03/2025.
[6] Fonte: https://www.timeanddate.com/astronomy/different-types-twilight.html;
acesso em 03/03/2025.
[7] Vide, por exemplo, https://www.timeanddate.com/, https://www.google.com.br/ e https://portal.inmet.gov.br/.
[8] Por exemplo: “A questão
está superada pela edição da Lei 13.869/2019, considerando abuso de autoridade
o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21 horas e
antes das 5 horas (art. 22, § 1.º, III). Portanto, está estipulado que o
período lícito se dá após as 5 da manhã e antes das 21 horas” (NUCCI, 2023).
Essa mesma posição é sustentada por Norberto Avena (2023): “[...] não vemos
como se furtar o intérprete de considerar, doravante, como período sujeito ao
ingresso forçado em domicílio, desde que judicialmente autorizado, aquele que
medeia entre as 5h e as 21h”.
[9][9] Registra-se,
por oportuno, que, em 2022 (RE 1263224/RS), o STF negou seguimento a recurso
que pretendia a reforma de decisão do TJ/RS que considerou ilegal o cumprimento
de mandado de busca e apreensão no período noturno, mesmo havendo decisão
judicial autorizando essa excepcionalidade. Eis o trecho do julgado do TJ
citado quanto a este ponto: “No caso dos autos, houve a expedição de mandado de
busca e apreensão domiciliar com autorização para seu cumprimento no período
noturno. O mandado de busca e apreensão foi executado por volta de 01h00 da
madrugada, conforme Auto de Prisão em Flagrante e relato da testemunha de
acusação que procedeu àquele flagrante delito. Todavia, a norma constitucional
prevista no art. 5°, inciso XI, não permite essa forma de relativização da
garantia fundamental da inviolabilidade de domicílio, pois a execução da
referida ordem judicial deve ocorrer somente no período diurno. Ademais, não
foram verificadas fundadas razões prévias que pudessem justificar a entrada
naquele domicílio ainda que fosse desconsiderada aquela ordem judicial”. Apesar
do STF não ter ingressado na análise de mérito quanto ao ponto evidenciado,
fica o registro quanto a controvérsia existente sobre a matéria. Fonte: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1318647/false;
acesso em 16/02/2025.
[10] Muito pertinente a
classificação apresentada pelo autor, dividindo a busca e apreensão, quanto à
sua finalidade, em: a) investigativa; b) preventiva; e c) exploratória.
[11] Fonte: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?livre=HC+919.433&operador=e&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T; acesso em 16/02/2025.
[12] Isto porque havendo
consentimento do morador, o cumprimento pode se dar em qualquer horário, seja durante
o dia ou à noite.
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